quarta-feira, 7 de outubro de 2009


.
.
.
.
agora vejo.

eu não tinha esses olhos
pintei os cantos dos olhos com haicais

.
.
.
.

domingo, 4 de outubro de 2009

Contraponto

Resolvi parar com isso de ficar suando quieto e pensei de que modo ia dizer o troço entalado na garganta (de nós todos interpretantes): como e por que diabos essa gente da literatura faz? Não era das profundas. Pensei não ser. Nesse mundo de Deus a superfície vai sobre as balizas do alto contraste. E decidi expressar minha pura opinião, derivada de um surrupio, se é mesmo verdade que os pareceres da gente vêm daqueles outros que nos mostraram coisas espantosas para marcar um caminho de pensamento. Ao que não se sabe dá-se um estofo e pronto, fica-se sabendo. É proveitoso não saber se para se preencher o vácuo. E vamos em frente, fazendo da terra abandonada que trabalháramos, mesmo sem saber, para adquiri-la por usucapião. Ahhh! Eu queria tanto pegar nos cânones e de como são, de todos os tempos, usurpadores da terra alheia...

Peguei um papel amarelado de velho, sob uma janela da qual escapava luz de dia. O lápis ainda mais velho, tudo velho de tanto repetir seu uso. Escrevi numa ordem de resposta como houve uma ordem de pergunta prévia, a relembrar: "a) como e b) por que diabos... (essa gente da literatura faz?)" O porquê era o grande clímax, e não podia figurar logo no começo. Eu o guardaria bem para o fim ou, melhor, sequer o diria. Isso! Dos dois ele era o ponto que mais, aos antipáticos às letras, interessava ter, esses que alimentam a teoria de que o literato é um sádico à procura de fazer pouco o entenderem; ah, esses antipáticos adorariam ouvir isso de quem quer que seja, mesmo de mim. Quem sabe? Mas não é o caso agora. Eu deixaria para o final e mesmo no prelúdio não o diria. Já o como de fazer texto, esse demoraria mais, mais complicadinho de tratar, pediria mais espaço, atolaria o ritmo, sendo perfeito para um desenrolar de expectativa acerca do porquê – o porquê! – que não quer calar nessa coisa batedora.

Então parei. O porquê é uma supressão.

Não deve de ser aventado.

E eu que o conformaria a um conto de tese? De que motivo maltratar assim a cabeça?

Vou contar pelo menos desta vez: eu queria era traumatizar, ferrar logo com uma má experiência do texto, a má experiência dos últimos nobéis e mesmo deles o mais existencialista, para que não se andasse mais aos calcanhares dessas abstrações que são tratados sobre as coisas; era desenbocar num senso de concretude incompleta, a inquisitora, a mais clara, a mais patente de todas. Ela não insere respostas nas coisas. Quem acha as soluções – ora, e não é senso que são muitas para uma mesma e mesmo às mais impositivamente binárias – somos nós, sedentos e sedentários.

Sedentários de quê? Olhei o sol pela janela e me ofuscou a vista, o malditinho. Os literatos lá escrevem por profissão? Quando escrevem, acho que é porque deram na telha, como uma pomba tarada num dia de sol forte. Aharara-pa-pá! É uma piada! Pus aqui um ponto e uma expectativa que, foda-se, é intangivelmente necessária.

Ressoante

Haverá mil notas incansáveis,
Vezes mil. A música
É mais que a passagem:
Um dia sei que não estarei morto.
Ouvirei baladas novas, que sei,
Na esquina, ao poste, a todo canto,
O eterno retorno ventando,
O real dialogismo russo, ou até o alemão.

Pelo menos duas vezes chorarão por mim:
No rebento da vida;
Na morte certa.
Mas tão somente tudo de novo:
Os tremores do som que codifica o Tempo.
- E redivivo
Nascer, morrer, renascer... em alguém, uma luta?

O fato é um, sendo fato único,
A corda bamba uma, por que passamos
entre animal e super-homem, musicada.
Mil pronunciamentos
Muitos multi-infernos
Brandir seco de marretas
Recolherem no Tempo:
Letras... Letras...

No caminho, que haverá o código –
da bamba corda, tirada a partitura –,
Fazer da vida, da gente dura?
Projetar-se ao longe pródigo
Um pouco mais que a longa brisa.
O pouco engana o Tempo, como Rhea
Se o destino quer, a Letra posteriza.

Pó de armário

palavra cinzenta
debaixo do armário
não pode encontrar-se

ou suspeitar-se
sem que seja tempo
E não existe tempo
nem há tempo
nem tempo

a palavra cinza
a palavra-ferro-em-folha
gravada, já pronta e tabelada
vai feita no pó cinza
com que neutraliza uma geração

geração não inquire
corações não enfartam
cores não variam
cortes, sangues, mortes
os que sabemos, não delatam

como poeira insuspeita
a cor-ordem
se escorre de debaixo do armário
e serpenteia para além do armário
em campos magnéticos – e como os veremos?

projetada, calculosamente
o palavra pó de ferro
galvaniza o último espasmo
do último espanto
em cascas

a cor do poder
(não da palavra)
a cor-poesia que se pede tanto
craquela essa ordem das coisas, pelo amor de deus!

Muito pouco

Eu fiz muito pouco do dia
Muito
Muito pouco mesmo
Do dia o que eu fiz – muito
Pouco muda as coisas
Quase nada

Nesse dia as coisas não pararam
As pessoas acordaram dormindo
Suaram entre o concreto morno
Mataram sede, fome e gente
Ganharam dinheiro
Dormindo
Para dormir em paz no fim do dia
Para amanhã fazer muito mais

Mas eu...
Eu fiz muito pouco do dia
Muito
Muito pouco mesmo
Do dia o que eu fiz – muito
Pouco muda as coisas
Quase nada

Pelo muito que fizeram dormindo
Eu vou dormir em claro
Para amanhã fazer muito menos