sábado, 21 de novembro de 2009

Proposição XXVII

Eu que ontem pensei de outra forma
Eu que ontem fechei minhas mãos sobre o teu punho
Eu que corri meu tempo para antes da luz diária
Eu que não me dei conta de como teus pés iam à frente
Eu que não os entendi se deixarem tropeçando
E, pateticamente caído, quando dormiste extenuado e entregue
Eu que beijei desesperado as costas abertas de manhã
As que nem eram tuas, mas as de quem não tenho
Eu que só soubesse intentar super-homens

Eu que ontem pensei de outra forma
Eu que não tive com o que preparar a mesa do café
Eu devia preparar um café para o mundo
E chamar os convivas que não depreciam nossa mesa
Eu devia ter tropeçado, mas caí antes de andar
E puxei até o último hausto o teu sorriso solícito
Eu que ontem tive a estrela da vida
Eu que ontem investi cego na verdade luminosa
Eu que andei sem lentes com que visse a verdade
Eu que nunca entendi de óptica

Meu peito está aí construído
E penso que o essencial é perder a guerra e viver derrotado
Eu que não alimento o cruel nacionalismo
Eu que sei de história, mas não de óptica
Eu que perdi o rosto numa guerra civil
Eu que dei um hematoma à estrela do país
Eu que venci a mim e me decepei o peito
Para montar um repasto ao vencedor de mim

Eu quero um armistício, amor, eu quero ócio
Eu quero descanso sob a estrela do equinócio
Eu quero assinar que desisto

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ar seco

Vivo seco
como a noite seca depois do dia
os enxarcamentos, os transbordamentos
ficaram nos ares retidos

Foi fértil o dia, como caquis no pé
os dias vão; as noites, secas
as estações, outras; os trópicos, mais quentes
desencarcerado
volita-me da nuca um trabalho de homem

Como e brinco e rio
como caqui, homem sério, de quem me despeço
sério que de dia esteve aqui?
está logo em qualquer parte à parte daqui

Hoje penso, como antes, em minha face adulta
que até ontem não me serviu caquis nem frutas boas
que até a véspera de hoje, por seriedade, não comeu
mas se negadas as brisas de ontem
mas se apartadas daqui as setas do ar que passa
recupero em tempo os aceptores - à ascese em mim
meus braços-cachos rajados no ar


O ar seco leva e a tudo seca
pois não levaria o enxarcamento, o transbordamento?
hoje vivo seco, embora coma caquis

e mais leve, a bem daqui, o pouco que não perco
vivo seco