domingo, 27 de abril de 2008

Construção

O menino empertigou o peito, aprumado o sem-sentido. Auto-contestou-se a mente do moleque, que nunca se dera, das filosofias, subliminar situação. Sim doutro modo: só dos olhos e da mente embotados de cimento, que só vissem cimento de parede rústica mas não lhe fosse aspirado nem lhe caído nos olhos, regra dar graças aos pais; por toda a extensão da vida, ainda que pequena, já protegido pelos ditos, que antes dele lhe fizeram a casa de morar, e de morar a mente toda. Uma vez limpou-se das vistas, água sem cisco, em chorar pra mãe questão assim:
– O que é o amor, mãe? – não perifrásico.
– Deixa de pergunta girica, moleque. Isso é coisa que se cogita?
E então, comentamos que se entenda: dos tempos rijos não tivera a senhora outra cola de espírito mais que o cimento nas mãos. A dona vivera uns duros haustos de concreto, suara no molho dos rebocos, construindo coisa mais rija, ou tanto qual, um grande dispêndio junto ao marido: pedreiros do lar. Quem esperaria que um da prole, frouxo o pulmão, por certo mais limpo e prevenido, pelos pais, do carcomer-se do pó, tomaria a mãe dum tal suspiro anaeróbico ou conceitualista?
– Que se pergunta, quer saber, mãe. Mais, não era preocupação, de eu chegar a pedir isso, se disso não me ocupasse. Que vem de ser?
– Que vem de ser amor? Ai, moleque! É isso aí que dizem se sente. A mãe gosta do filho, o filho da mãe... É querer que o outro não sofra, ou mais, esteja só feliz; nem despego nem retorno esperado, encher disso o peito é dito amor. A mãe gosta do pai, o pai da mãe e se vai, estando, junto mais junto, pra se ter do bem de um o bem do outro.
E das palavras últimas, novo empertigamento, o moleque:
– Ter junto o bem? É coisa de posse, assim, feito casa construída?
– Disso não, ou não sei mais o que seria. Quer-se esteja junto, e nisso fica o peito enchido e recoberto dum reboque não desgruda. Quer-se a pessoa íntegra, como numa casa que se a construísse inscrita – quem disse? Talvez a pessoa, não se a veja como é, se lhe reveste de parede. Ou o que é isso? Ê, confusão! Sei nada de mim, dizer dessas coisas. Ai que isso... Pergunta não, filho, que isso não é pra mim, e não sei de dizer nada com isso.
O filho assuntou em si um fechamento da questão, vez que, descombinada estivesse a mãe, a dona rodasse em si qualquer segredo psíquico, algum fim peremptório e respirável não para ela. Entendeu o menino: que se manipulasse, quando amava, um coiso em si sem perceber – dizendo então baixinho, pra não assediar a mãe com isso respondido:
– Amar e construir, aí tem alguma permuta. Seria dessa feita, ou coisa que a valha, amar rebocar o peito numa pessoa? Desconfio sério que construção, reboco, de imagem. Especulo: amor.

Caiu na tarde o primeiro grande empertigamento.

Ele

Quando morre, sua alma evola para o reino hiato.

Implora declaração. Ele que só pode ser outro, porque não tem em si mas por si o que seja propriamente seu (explosão!). Seu é o que se confunde às cordas do músculo-coração a intestino. Menos carne e mais palavra, para que as fibras da carne não passem ignóbeis pelo prazer semiótico. Sua contração e seu relaxamento, sua tensão e seu gozo ainda não são poesia. Mas que gozo, se involuntário? Músculo autômato: daquele cujas cordas trabalham a vida mais íntima sem que delas se dê conta ou se lhes agradeça o repertório. E não é isso a musculatura?

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A pele da letra, arranca. Lá, como o formigueiro, avulta-se a vida em veios de ordem. Não há o que não pode, porque seria mais ou menos como... Uma voz sendo um veio, concorre com tantos outros em favor do grande enredo: o mito de realeza, a espera da exuberância e de realeza, a profusão dos signos fórmicos e de realeza a quem somente os veios trabalham, esperando quaisquer mais formigas.

Quando operárias se fecham num trabalho coordenado, já entrou outra vez desordem no seio da terra: alguém pisa as formigas, mas sempre sobra um vestígio de solo-possa-o-novo. Que novo? Solo-possa-o-novo. Vê-se o formigueiro? É bastante plástico para que o veja e se é novo? Ou ainda é lacuna informe? Isso é coisa de pontuar. Os músculos são dele; o formigueiro, seu de você. E em categorias tão diversas do legado esclarecido - histologia, artrópodes - se comunicam no fio da matéria e da história.

Ele não é si. Ele é si projetado. Os olhos de si não perguntam nada, não desejam nada. Mas, em verdade, também aprecia boca grossa e perna masculina.

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Ele (aquele) recolhe as fezes do chão.

sábado, 12 de abril de 2008

A formiga

Sobre a mesa do café vejo a formiga.

A formiga é tão única como a pusessem numa casa de espelhos. Solitária e universal. Não gosto que comparem minha formiga, não é um ovo nem galinha; mas sendo há pouco o maior mistério, fica simples num átimo, até que acaba. A formiga que acaba volta a ser tácita formiga. Ela não sabe que é, pica-nos - que noção do perigo! Não sei quem fui, alguém açula a formiga. E que se despreza a força da formiga? Acidula o córtex: os espelhos quebram e se vaporizam. É um som sussurro e incômodo.

A formiga vive num buraco modorrento sem matéria. O escuro da formiga não tem elétrons – mas choca? Pó de espelho: em um vidro perdeu-se a formiga.

Obrigado pela sua acidez, formiga: todos te a louvem! A formiga é um ser de açúcar mas amarga. Nosso artrópode preferido, nosso não-sei-quê. Você acredita na formiga. E se um dia um demônio se esgueirasse em sua janela e dissesse que a formiga mente? Não questione a formiga! Esse papel ninguém é bastante formiga para ele.

Uma vez mastiguei uma formiga e paguei caro. Tenho um sabor amargo no fundo da garganta, que ninguém sairá ileso. A formiga é indigerível, pára na glote. Mas será verdade que a formiga... Então será da mesma substância que o formigamento nos pés?

Pés não pensam, mas estão lá. Formigue-se, logo exista. Isso descreve a formiga: dá-nos tensão de espírito. Mas,

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A formiga é uma catarse.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

(à amiga sempre)

Flor de Carol

Quero uma flor de Carol
Um meio mol
Em forma de flor

Flor lisérgica
Eu te consigo
Reação:
Me explode
Mais meio mol!

Dá-me outro meio mol
Nem nada é química

Cai em mim
Seu meio mol,
Flor
Dopamínica

Carol
Meu mol de força

domingo, 6 de abril de 2008

Coisa deles

Achou os sapatos ao pé da cama sem tê-los guardado ao chegar. Empertigou o rosto à altura do outro:
- Qual é o seu problema?
- Eu que pergunto.
- Por que fica aí me olhando o tempo todo?
- Eu queria te dar banho.
- Não preciso que dê banho? Está frio. Eu estou fedido?
- Está seco. Eu quero te enxugar.
- Você me trata feito criança.
Desiste de pôr os sapatos e volta para a cama. O outro continua olhando. Calcula a respiração do primeiro e lhe faz todo o tipo de enunciados mentais.
O primeiro sofre alguns espasmos sutis do terror noturno mal curado, ruge levemente em tempos, altera a respiração entremeada, ao longo da noite, de três suspiros ao todo; ainda de manhã, dorme uns últimos tempos com as vistas ziguezagueando sob a pálpebra.
A seu turno, o outro percebe até o final, inclusive o quase impossível relevo dos olhos cerrados.
Acorda o primeiro:
- Qual é o seu problema?
- Eu quero te falar.
- Então fala!
- Dorme comigo?

Implicância do Parnaso

Quando a mensagem reifica
Pela forma a bica estética
Meu suor pinga e se estraga
Por menor dica profética:
Palavra
Implica
Poética

Hábito

quarta-feira atmosférica
meia semana
sal de suor
no pescoço
nenhum amor
catarse pouca
vômito reengolido, não estrague o ambiente
é habitado


– Essa é a vida! – grita o feirante
– Me vende uma náusea verde?

Cor e rosa

só vale mesmo a rosa que engajada
quê que não pressupõe arma ou rosa radioativa
não sem cor, sem perfume
rosa mental rosa
não mortal, rosa flor
tão subverso quanto for
silenciosa

Pedra de São Paulo

Menos assexuado é o clima de São Paulo
As casas do centro ainda respiram um hálito seminal
Os velhos andam de bengala
Sem olhar o chão que apalpam
E de memória enrijecida nos cafés de outrora

São Paulo anda respirando sua cor marrom xadrez
Os tecidos com cheiro de fumo de corda
Os cigarros de orégano mal industrializados
Mas que passam por paulistanos

Eu olho de todas as varandas a garoa de pernas
Brancas pretas amarelas de um sem sexo chamativo
E vejo as suas em todas
E em nenhuma

Minhas mãos não querem nada
Nem minhas pernas, se existem
Agora é que a garoa é forte
A pedra no meu colo
De ônibus pra subir toda a Consolação
Soltá-la
E só brincar disso
Por mais três dias

Causo do valente

O alemão era um desses troncudos. Pelo amor de Deus! Mas nem não pensava quase, só era troncudo. Não famigerado por mais que troncudo, um doutor disse que famigerado e ele nem teve a pachorra de saber. Fato é que o home safanava uma orelha dum lado a outra caía de susto. Si bebia umas e outras, lá estava dando de valente num boteco. Batia na mesa os gorós tremiam, vozeirando que ali não tinha home pra ele.
– Foi comigo? – de vermelho um italiano chumbado.
– Pode de ser.
De tão armário o italiano sombreava os cantos. Mas pobre diabo pro alemão, é que tomou uma no zolho. Fez dó. Foi dum só golpe italiano estrondando no piso. E olha que pra estrondo daqueles não é qualquer que derruba não. De espantar, minha senhora!
O alemão queria mais salsada, fez. Repetiu não tinha home ali pra ele. E agora espertou um argentino dum carão gordo de goró de vinho. Mais que o dobro do italiano, magina!
– Foi comigo?
– Pode de ser.
Dessa vez o alemão mandou ver bem na barriga, de punho teso. Inchou mais a cara do outro, inchou mais que a barriga apanhada, que o vinho subiu direto pra cabeça bombeado no soco. Bom bêbado não bota a bebida de volta, balanceia na cabeça, o argentino fez. Mas não güentou o baque do porre, deu zonzeira, foi-se outro: tum seco no chão.
Aí mais uma leva: cipriota birmanês iemenita azeri congolês omani, todos esses gringos estranhos tum no chão. Falou mais, não tinha home ali pra ele. Nisso foi a vez do brasileiro cheio de molejo, brasileiro mulato de verdade do sangue misturado na força de home. Disse o malandragem:
– Mexeu comigo?
– Pode de ser.
O alemão veio que enterrou um tapão no pé d´ouvido do brasileiro. O mulato ainda deu de macho rodopiou resistiu antes de tum. Mas tum.
E não acaba por aqui, minha senhora, que brasileiro metido a besta e pinta de malandro já se sabe que tem. Melhor mesmo é mais, vê, o alemão dizimou tudo os homes. E voltou no disse que não tinha quem fosse pra ele. Mas chorou que nem criança em manguaçada, só era a dona do boteco ali, não tinha graça.
É aqui que o causo se acaba, senhora, isso é que é. Pra aprender que vida de valente não é fácil não. Ignorou o causo do doutor, cabou-se a famigeração.

lacunaria

sentimentranslação
amor diagonal
passa de um vão
livre ao masp-vão
passagem

de amor-som vão

língua do amor-jogo
jogos de amar, agon
ia passando o tempo
alguém detê-lo no ar
pra redundar
de suspendê-lo
no ar mais tempo
sem vão

vão é vão-livre

mas se se preenche
parece que toda a vida nossa
voa livre na consolação
um som no som do outro
ouvindo bossa
e violão

viva a nossa tropicália
viva à maracangalha
que chegou meu coração