domingo, 6 de abril de 2008

Coisa deles

Achou os sapatos ao pé da cama sem tê-los guardado ao chegar. Empertigou o rosto à altura do outro:
- Qual é o seu problema?
- Eu que pergunto.
- Por que fica aí me olhando o tempo todo?
- Eu queria te dar banho.
- Não preciso que dê banho? Está frio. Eu estou fedido?
- Está seco. Eu quero te enxugar.
- Você me trata feito criança.
Desiste de pôr os sapatos e volta para a cama. O outro continua olhando. Calcula a respiração do primeiro e lhe faz todo o tipo de enunciados mentais.
O primeiro sofre alguns espasmos sutis do terror noturno mal curado, ruge levemente em tempos, altera a respiração entremeada, ao longo da noite, de três suspiros ao todo; ainda de manhã, dorme uns últimos tempos com as vistas ziguezagueando sob a pálpebra.
A seu turno, o outro percebe até o final, inclusive o quase impossível relevo dos olhos cerrados.
Acorda o primeiro:
- Qual é o seu problema?
- Eu quero te falar.
- Então fala!
- Dorme comigo?